15/10/2024
Quase tudo no Brasil é superlativo. Maior economia, extensão territorial, população e mercado consumidor da América Latina, e uma das mais importantes nações do mundo.
No entanto, quando o assunto é a indústria legal da cannabis, ficamos pequenos. Não só diante de países desenvolvidos, como Canadá e Estados Unidos, mas atrás também de vários de nossos vizinhos latino-americanos. Para ser mais exato, na esteira de nove países, em termos regulatórios, que já estão em plena atividade no mercado legal de cannabis. Ou seja, estamos muito aquém do patamar no qual deveríamos estar neste momento.
Uruguai, Paraguai, Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Porto Rico e México veem pelo retrovisor o Brasil ficar cada vez mais distante nesta corrida pelo desenvolvimento do mercado da cannabis na América Latina. Cada um deles, com suas peculiaridades, conduz estratégias e políticas próprias em relação à forma de trabalhar legalmente a cannabis em seus territórios. Em comum, congregam a definição de marcos regulatórios robustos que norteiam e garantem segurança a quem investe nesse novo negócio.
Uns mais, outros menos avançados, o fato que os diferencia do Brasil é que essas nove nações saíram da inércia no tocante a definir políticas relacionadas a cannabis. Não me cabe aqui fazer juízo de valor a respeito das estratégias adotadas em qualquer um desses países. Se são boas ou ruins; se poderiam ter sido concebidas de maneira diferente, isso não importa.
O que conta é a atitude e a coragem que suas respectivas sociedades tiveram de levar adiante o tema à discussão e, consequentemente, avançar e adequar as suas legislações locais. Uruguai, Chile e México foram até além, ao estender a regulamentação para uso adulto de cannabis. Vertente essa que nem de longe se cogita por aqui no Brasil, muito menos, no conturbado momento político que atravessamos.
Hoje, lamentavelmente, somos meros coadjuvantes, quando o nosso papel deveria já estar sendo o de verdadeiros protagonistas no desenvolvimento desse mercado na América Latina. No tocante a legislações que regem cultivo, produção e consumo de cannabis nas suas mais variadas possibilidades, não há outra definição para a nossa postura a não ser a de meros expectadores da evolução da indústria legal da cannabis em outras nações vizinhas.
E o que representa esse status para o Brasil? Que vamos chegar atrasados a um mercado mundial estimado em US$ 55,3 bilhões em 2024, sendo que US$ 824 milhões somente na América Latina, segundo projeções da Prohibition Partners.
Se a nossa regulamentação ainda não saiu do papel, isso não significa que ficamos totalmente inertes, apenas aguardando o avanço da tramitação do Projeto de Lei 399, de 2015, estacionado no Congresso Nacional por conta de forças contrárias ao seu andamento. Continuamos trabalhando em várias frentes, sobretudo junto à opinião pública. Eu asseguro que já conseguimos avançar nessa estratégia, nos últimos anos, com o trabalho de construção de um ambiente favorável à discussão da cannabis junto à sociedade.
Aos poucos, o assunto deixa de ficar relegado exclusivamente ao noticiário policialesco para ganhar páginas mais nobres de jornais, revistas e espaços privilegiados em portais de notícias na Internet, além de tempo precioso em rádio e TV. A cada ano, o assunto ganha relevância que nunca experimentou por aqui no passado recente.
É comum o tema cannabis ganhar destaque na imprensa, a cada notícia de liberação pela Anvisa de algum novo produto de uso terapêutico, ou difusão de resultados promissores de pesquisas sobre uso de terapias à base de cannabis para ajudar no tratamento de vários tipos de doenças. Aos poucos, o público começa a assimilar os benefícios que a planta proporciona e a conhecer as suas milhares de aplicações que vão além do campo medicinal.
Isso tudo contribui, certamente, para a diminuição do estigma, ainda muito enraizado na sociedade brasileira quando o assunto é cannabis. Comemoramos cada avanço, cada conquista de espaço positivo na mídia, pois sabemos que a guerra é longa, e cada batalha conta a favor da causa de todos nós.
O uso medicinal é um importante aliado na nossa luta pelo rompimento de barreiras junto à opinião pública. É um negócio igualmente muito promissor. Basta lembrar que o mercado de cannabidiol na América Latina, em 2020, era estimado em US$ 168 milhões, a maior parte para uso terapêutico. Para 2024, deve atingir a cifra de US$ 824 milhões, de acordo com a Prohibition Partners.
É bom lembrar que o mercado brasileiro de uso medicinal da cannabis é praticamente todo à base de importações, gerando receitas e mão de obra fora do Brasil. Vale aqui mais uma reflexão: o Brasil não pode continuar apenas com o papel de mero importador de insumos. Ainda é muito pouco para a importância e a relevância que o País ostenta no hemisfério.
Isso sem contar que o acesso a produtos de uso medicinal fica restrito a poucos que conseguem arcar com altos custos de importação, além de, muitas vezes, ter antes de recorrer à Justiça para liberar as compras no Exterior, ou o plantio para fins medicinais. Imaginem só quanto esforço e recurso são gastos simplesmente porque não temos ainda como produzir aqui em larga escala o que compramos lá fora.
Acredito piamente que esse jogo irá virar a nosso favor. O Brasil ocupará um papel de extrema relevância no mercado latino-americano da cannabis legal, em todas as suas vertentes. Quando? Ainda é uma grande incógnita, mas que isso será uma realidade, tão logo as amarras ao mercado sejam desfeitas, é ponto pacífico.
Enquanto esse dia não chega, seguimos na estratégia de desenvolvimento do ecossistema da cannabis no Brasil. Um trabalho de formiguinha, preparando e pavimentando o caminho para o mercado e os negócios fluírem por todos os canais, não só os voltados à saúde que, repito, vêm tendo um papel preponderante para romper as resistências, mas ainda é possível extrair muito mais dessa planta por aqui.
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